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Vida e bens ‘sequestrados’

Professora sofreu violência patrimonial e foi expulsa da própria casa

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 19 de agosto de 2016 - 10:45
Imagem ilustrativa da imagem Vida e bens ‘sequestrados’

Por Renata Sena, Marcela Freitas e Gustavo Carvalho

A professora Carla (nome fictício) tinha 37 anos quando percebeu que o relacionamento com um colega de trabalho começava ir além da amizade. Seis anos depois do início do namoro, ela não imaginava que o homem gentil se tornaria cada vez mais agressivo, descontrolado. O que Carla também não sabia era que, além da violência psicológica, sofria de outro tipo de agressão, desconhecida por muitas mulheres, mas que fez 299 vítimas em São Gonçalo em 2015: a violência patrimonial. Invasões a residência, apropriação dos bens conquistados pelo casal e restrições financeiras – marcas desse tipo de violência – passaram a virar rotina na vida de Carla.

“No início de namoro ele era gentil, educado e simpático. Mas depois que anunciei minha gravidez, tudo desmoronou e ele se tornou um desconhecido, agressivo e descontrolado. Ele me ameaçava de morte e dizia que ia me provocar a maior dor que uma mãe pode ter”, recorda Carla.

Depois de meses de união, três abortos espontâneos e muitos desentendimentos, veio a tão esperada gestação saudável. E com ela as humilhações, desprezo e abandono, além de muitas ameaças. “No dia em que eu contei que estava grávida, ele preparou um líquido abortivo e queria que eu tomasse.

Não tomei e ele me proibiu de contar da gravidez até que completasse três meses. Sempre dizendo que eu iria perder o bebê, ele me obrigava a fazer coisas de risco. Hoje eu percebo que era para que eu realmente perdesse a criança”, lamenta mulher.

Já com o bebê nos braços, a presença do marido passou a ser coisa rara no apartamento que dividiam no Alcântara, em São Gonçalo. Para evitar a filha, o professor passou a dormir a semana inteira na casa da família, na Zona Oeste do Rio. “Ele ficava longe e eu tinha que ficar em casa esperando o dia que ele resolvesse voltar. Mesmo assim, quando falava em separação ele se transformava. Eu tinha medo e dizia que estava brincando. Ficava quietinha e esperava ele se acalmar. Busquei a terapia de casal, não para arrumar o casamento. Eu queria que ele percebesse que o caminho era a separação”, contou.

Mas a terapia não teve o sucesso desejado, e depois de dois finais de semana sozinha, a professora resolveu passar o feriado na casa de uma amiga. “Foi quando ele pegou nossa filha dizendo que ia entregar à noite, mas só a devolveu quatro dias depois. Ele estava transtornado e eu não tive como impedir”, lembrou.

E foi no Carnaval de 2013 que tudo caminhou para o pior. “Eu estava viajando e ele invadiu nosso apartamento. Trocou a fechadura da porta e disse que me mataria se eu entrasse. Não consegui tirar nada de casa. Nesse dia ele bateu o portão em mim ao ponto de quase quebrar meu braço. As ameaças estavam virando realidade”, disse a professora, que teve que voltar para a casa dos pais. 

Já não conseguindo mais ser tão influente na vida da ex-mulher, o professor passou a atacar a filha do casal. Com direito de pegar a menina para passar um dia do final de semana, o professor passou a agredir a criança. “Um dia ela chegou em casa chorando muito e contou que o pai havia apertado seu pescoço. Descobrimos, também, que ele não dava comida para ela. Mesmo com o registro de agressão, ele ainda pode pegar minha filha por mais três meses. Todas as vezes que eu entregava a menina a ele, esperava pelo pior”, concluiu emocionada. 

Após anos de sofrimento e indecisão sobre o caminho para recomeçar sua vida, Carla conheceu o Movimento de Mulheres de São Gonçalo. “Foi a primeira vez que alguém me olhou como vítima. Recebi assistência psicológica e jurídica para dar os primeiros passos. Em seguida, fui encaminhada para o Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente (Naca), onde minha filha é atendida até hoje. Foi muito difícil, mas eu consegui. Cheguei a ponto de querer desistir. Mas eu peço que todas as mulheres que estão passando por isso denunciem, busquem ajuda”, alertou. 

Para a assistente social Bárbara Maria, 43, do Naca, a busca por ajuda especializada pode, inclusive, salvar vidas. Segundo ela, a violência contra a mulher, em suas diferentes formas, precisa ser interpretada nos sinais dados pelo próprio companheiro. “Não se pode esperar que chegue à violência física para romper a relação. No caso da Carla, a violência foi progressiva. Se ela não tivesse rompido, hoje poderia estar morta”, explicou Bárbara.

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