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Um louvor ao cinema brasileiro

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 23 de janeiro de 2016 - 19:17

A década e 90 foi um período áureo para o cinema brasileiro. Por três vezes o cinema nacional foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, com Central do Brasil entre eles. Oito anos depois, em 1998, este mesmo filme recebe, em Berlim, o importante troféu Urso de Ouro. E, no ano seguinte, 1999, no dia 24 de janeiro, ganha o troféu Globo de Ouro na categoria de melhor filme estrangeiro. Central do Brasil, então, é a obra cinematográfica símbolo desta fase. Trata-se de uma história simples e ao mesmo tempo complexa, de Josué, um garoto de onze anos à procura do pai. O título do filme é emblemático. Além de boa parte da história se passar na Estação de Ferro Central do Brasil, lugar por onde tramita todo tipo de gente, carrega uma intenção: ir ao âmago deste povo sofrido, pondo-se como centro de onde irradiam diferentes histórias vistas por diferentes olhares e diferentes vivências: o sociológico, o político, o antropológico e o individual.

O olhar sociológico se dá pela ausência de ordem, violência, pobreza física e intelectual, irrupção agressiva dos espaços de convivência, como a tomada de cena da entrada desordenada de corpos pela janela do trem, de pés anônimos cobrindo as calçadas da estação e a amostragem da carente sociedade urbana carioca e da carente sociedade rural nordestina, em paralelo e em oposição. O viés político abre o olhar para a exclusão de todo um povo analfabeto que fica à mercê de pessoas inescrupulosas, arbitrando sobre a vida do outro, pelo simples fato deste outro não ter acesso à cultura. É o caso da personagem Dora, que por saber ler e escrever sente-se no direito de lesar os analfabetos que lhe pedem ajuda. O olhar antropológico se dirige aos valores da cultura urbana estragada por ela e da cultura interiorana do menino, na qual a descrença é substituída pela fé. Quanto ao individual, temos dois personagens centrais empreendendo uma profunda viagem ao centro de suas próprias arcas internas, pela descoberta do Outro.

É destes quadros que nasce o triunfo do cinema nacional, a obra prima de Walter Salles com a incomparável atuação de Fernanda Montenegro. Ela é a Dora que, no meio de camelôs e todo tipo de vendedores ambulantes, ganha a vida escrevendo cartas para analfabetos aos seus familiares. Cada rosto que passa por Dora, tem, vincado nele, a dura realidade de grande parte do povo brasileiro, eternos imigrantes à procura de um lugar ao sol. Um destes rostos é o de Ana, mãe do menino Josué, que morre atropelada e Dora, a contragosto, sente-se obrigada a acolher o menino. A grande viagem começa aí: da estação Central do Brasil à região central do Brasil e do centro do Brasil ao centro de cada um dos dois, a partir do momento em que Dora se propõe ajudar Josué a encontrar o pai. Então pelos fascinantes olhos de Fernanda Montenegro, embarcamos ao âmago do país e dos dois personagens. A incursão ao coração do Brasil faz bater nossos corações. Atitudes de afeto envolvem mulher e menino, depois da dura troca de sentimentos empedernidos pela aridez da vida. É inesquecível a interpretação de Fernanda Montenegro na cena em que Dora reencontra a fé na romaria.

Fernanda Montenegro tornou-se a primeira atriz brasileira a ser indicada ao Oscar, em 1999, por sua performance em Central do Brasil e, até hoje, continua sendo a única. Tal indicação foi uma verdadeira vitória, para um país em que a arte, além de não ser respeitada como tal, ainda é colocada em segundo plano. Leonardo da Vinci falou que O objetivo mais alto do artista consiste em exprimir na fisionomia e nos movimentos do corpo as paixões da alma, e isto Fernanda Montenegro o fez e muito bem, não só em Central do Brasil, mas em toda a sua vida de atriz. Um viva ao cinema nacional!

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